TROCARAM UM MACHADO POR UMA MARRETA
A Academia Brasileira de Letras — aquela casa centenária que, em tese, celebra a língua e cultiva a literatura — acaba de confirmar: virou puxadinho do PROJAC. Miriam Leitão, a jornalista sempre pronta a indignar-se em horário nobre, agora é “imortal”. Sim, a mesma honraria que um dia pertenceu a Machado de Assis, Rui Barbosa, Olavo Bilac e Graça Aranha foi concedida a uma senhora cujo maior feito literário talvez tenha sido transformar editoriais em sermões.
Nada contra dona Miriam — ou melhor, tudo contra o que ela simboliza nesta fase terminal do teatrinho literário nacional. A ABL, que em outros tempos discutia gramática com vinho, hoje debate narrativas com militância. Não qualquer militância, mas aquela de esquerda vintage, que sonha com um socialismo gourmet à base de prosecco e hashtags.
E com todo o respeito que o sarcasmo permite: qual é mesmo a grande obra literária de Miriam Leitão? Qual romance memorável? Que coletânea de contos inovou? Qual revolução estética ela trouxe à língua portuguesa? Não vale vale boletim partidário disfarçado de editorial de jornal ou crônica. Estamos falando de literatura — lembram?
Os imortais do passado, esses sim, devem estar se revirando em suas tumbas. Uns em latim, outros em francês. Olavo Bilac, provavelmente, à procura de uma rima para “vergonha”. Rui Barbosa, redigindo um habeas corpus contra o que chamaria de atentado semântico. E Machado? Talvez apenas soltasse um suspiro irônico e escrevesse uma crônica melhor que esta.
E pensar que a Academia foi fundada com tanto zelo, por gente do calibre de Lúcio de Mendonça, Joaquim Nabuco, Artur Azevedo… Hoje, basta ser comentarista da hora certa e do governo certo. Daqui a pouco, teremos influencer literário ocupando cadeira. A vaga no TikTok Acadêmico já está sendo providenciada.
A coisa desandou faz tempo. Quando Sarney recebeu seu fardão, já ficou claro que a cadeira — antes trono da língua — viraria poltrona para veteranos da política. Com Miriam, virou assento fixo de redação, com vista privilegiada para Brasília.
O fardão? Virou fantasia de festa temática: “Vá de imortal, sem precisar escrever nada.” O critério? Visibilidade midiática, afinidade com o grupo dominante e o dom de comentar tudo — exceto literatura. Isso, hoje, é quase um impeditivo.
A defesa de sua escolha vem em tom emocionado: “Mas ela tem livros infantis, memórias, economia…” Sim, livros. Mas estamos falando de literatura. Aquela arte que exige alma, linguagem e invenção. Sejamos justos: há mais lirismo em uma lista de compras de Drummond do que em três coletâneas da nova imortal.
O Brasil, mestre das reinvenções tortas, conseguiu transformar a Academia em órgão homologador de relevância político-midiática. Se amanhã convocarem Zé de Abreu ou Felipe Neto para a próxima cadeira, ninguém se espante. A fila anda. E a gramática corre.
Machado de Assis, esse sim imortal, talvez dissesse apenas: “Aos vencedores, as batatas.” No caso, batatas empanadas — servidas no coquetel da próxima posse.
A ABL não morreu. Apenas se adaptou ao seu tempo. Trocaram o Machado por uma marreta — e com ela, demoliram o que restava de seriedade.
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Marcelo Duarte Lins

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