"Guerras" com armas de bolinhas de gel são marcadas pelo "zap" e têm lições no TikTok: "seguimos regras", diz jovem
Foto: Rafael Vieira/DP Foto

Entrevistamos dois jovens do Grande Recife que brincam e participam das 'guerras de arminha de gel'
Vitor, de 16 anos, é o ‘cabeça’ das guerras de bolinhas de gel em
sua comunidade. É com ele que outros líderes do Grande Recife combinam
de se encontrar pelas redes sociais, tarde da noite, em quadras, praças e
na rua, para travar uma batalha entre bairros. Quando ele conversou com nossa equipe, às 18h, de uma quinta-feira, a próxima brincadeira já tinha horário, local e participantes confirmados.
As
guerras, que têm tomado as comunidades, preocupam autoridades e estão
relacionadas ao aumento de lesões oculares no Grande Recife. Quem
participa, no entanto, não enxerga a prática como algo ruim. “É por
diversão, não queremos fazer mal a ninguém. Temos que seguir regras em
nosso grupo”, afirmou Vitor.
Além de Vitor, conversamos com outra moradora da Região Metropolitana do Recife que
também brinca de guerras de bolinha de gel. Para proteger a identidade
deles serão usados nomes fictícios.
Tanto
Anna, de 19 anos, quanto Vitor conheceram as armas de gel através do
Tik Tok. Em uma rápida pesquisa por ‘arma de gel’ no aplicativo, a
reportagem encontrou vídeos com dicas de como cuidar do aparelho,
pessoas testando o nível da dor da bolinha e grupos grandes de jovens se
reunindo para “guerrear”.
Vitor contou que costumam participar em torno de 60 a
70 pessoas, mas quando mais de dois bairros se reúnem pode chegar a 100
participantes. “Temos algumas regras. Se tiver briga vai todo mundo pra
casa. Outra regra é que não pode tocar na arma do outro e pode usar
óculos de proteção, tem gente ainda que vai de capacete”, disse. “Eu
uso. Eu acho irresponsabilidade do pessoal que não usa”.
Conheça as armas de gel
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Foto: Rafael Vieira/DP Foto |
Dispostas em vitrines no centro do Recife, em feiras
populares e em barracas, as armas de gel ou ‘gel blasters’ estão
disponíveis em diversas cores e tamanhos, com preço variando entre R$ 90
e R$ 150. O kit acompanha um óculos de proteção, um saco com 5 mil
bolinhas, um “silenciador” e o carregador.
Com
a arma vermelha, branca e preta na mesa de centro de sua sala, que,
segundo ela, custou R$ 95 em uma feira. Ela faz a guerra de bolinhas com
um grupo de três amigos em uma quadra, perto de casa. “Eu realmente
acho que essa brincadeira está tirando muita gente da internet, de casa.
Só que o pessoal não está sabendo aproveitar direito”, afirmou. “Acho
que está começando a ficar meio tenso. Quando eles se juntam não é só na
balinha não, rola briga também”.
“Eu
mesmo não quero ela com isso. O tio dela vai levar essa arma para a
casa dele. Pode acontecer alguma coisa com ela, Deus a livre. Se fosse
uma brincadeira sadia estava bom, mas agora os meninos estão congelando
essas bolinhas. Esses dias um menino fez cirurgia por conta disso”,
disse dona Maria, avó de Anna.
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Foto: Rafael Vieira/DP Foto |
A
mais velha falava da criança de 9 anos atingida por uma bola de gel no
olho, no domingo (1º), enquanto brincava com amigos de guerra de
bolinhas de gel, no Pau Amarelo, em Paulista. Ela já realizou a cirurgia
e se recupera bem.
Questionado
se seu grupo congelava as bolinhas, Vitor negou. “O pessoal aqui
acredita que congelar pode danificar a arma. Porque é uma bateria. Vai
ficar ali descongelando e pode quebrar”.
Já
Anna confessou que testou uma vez com um primo. “Congelamos para ver se
doía mesmo, mas é tranquilo. É uma dor passageira”, descreveu.
A Fundação Altino Ventura (FAV) atendeu 37 jovens com ferimento nos olhos, causados por essas brincadeiras, entre os dias 30 de novembro e 6 de dezembro.
A
diversão deixou, de forma indireta, um morto no Córrego do Abacaxi, em
Olinda, em 25 de novembro - ele brincava com amigos quando uma das
bolinhas atingiu as nádegas de uma mulher, um homem sacou uma arma e o
matou.
Brinquedo?
O
Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia (Inmetro),
define na Portaria Inmetro nº 302, de 2021, que esses produtos não são
considerados brinquedos. Segundo o Instituto, “réplicas de armas com
projéteis de bolas de gel são semelhantes a equipamentos regulamentados
pelo Decreto Federal nº 11.615”.
Tal
Decreto Federal estabelece regras e procedimentos relativos à
aquisição, registro, posse, porte, cadastro e comercialização nacional
de armas de fogo até tiro desportivo, incluindo armas de airsoft e
paintball.
Fiscalização
Diferente
das armas do tipo airsoft e de paintball, ambas de pressão e
regulamentadas pelo Exército Brasileiro, as armas de gel não possuem
nenhum tipo de fiscalização.
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Foto: Rafael Vieira/DP Foto |
“Como
essa arma não é considerada pelo Exército como um simulacro de arma de
fogo, então não pode ser apreendida. Até por conta de sua constituição:
ela é recarregável por USB, tem pilha e todo um mecanismo diferente”,
explicou o assessor da Polícia Federal no Estado, Giovani Santoro. Ele
defende, contudo, que por conta da similaridade da arma de gel com uma
“arma normal, se faz necessário uma normatização”.
Na
semana passada, o deputado estadual Romero Albuquerque (UB) apresentou,
à Assembleia Legislativa de Pernambuco (Alepe), um Projeto de Lei que
propõe a proibição da comercialização das armas de gel em Pernambuco. O
PL vai atualizar a Lei Estadual 12.098/2001, que proíbe a fabricação,
venda e comercialização de brinquedos com formatos característicos de
armas verdadeiras.
Ele disse que “não podemos permitir que objetos vendidos como
brinquedos coloquem vidas em perigo. A proibição é necessária para
proteger a população e evitar tragédias".
A
reportagem entrou em contato com a Polícia Civil e Militar de
Pernambuco perguntando se as corporações estão sendo acionadas pela
população durante as batalhas de bolinha de gel, se sim, quantos
chamados as corporações receberam nos últimos dias, se alguém foi preso,
se alguém ficou ferido, se algo foi apreendido, e, por fim, se alguma
medida está sendo tomada para evitar essa “brincadeira”.
Em
nota, a Secretaria de Defesa Social informou que está acompanhando o
aumento da utilização das armas de gel. E destacou que a regulamentação
do uso, a fiscalização da fabricação e a comercialização do produto não
são de competência das corporações do Estado, sendo responsabilidade da
Federação. “Importante ressaltar que, caso as ações tenham como
consequência algum crime, as Forças de Segurança atuarão”, finalizaram.
Dada
a repercussão no Estado, grupos de jovens têm se posicionado nas redes
sociais com instruções e dicas de como participar da brincadeira de
forma sadia.
Uma das páginas,
voltada a conteúdos da Zona Norte da capital pernambucana, fez um vídeo
detalhando como aconteceria a “guerrinha do Campo da União”, no bairro
da Macaxeira. As regras estabeleciam que só poderiam participar aqueles
que usarem óculos de proteção e definiam que os tiros só poderiam ser
feitos abaixo do pescoço.
Por: Mareu Araújo
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