Covid: Brasil usa vacinas desatualizadas; Saúde aguarda aval da Anvisa para receber nova versão
País tem contrato de quase 60 milhões de doses para cobrir vacinação até 2026, porém a versão mais recente do imunizante, para a cepa JN.1, ainda está em análise na agência
O Brasil utiliza doses desatualizadas na vacinação contra a Covid-19. O Ministério da Saúde aguarda o aval da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para receber a versão mais recente dos imunizantes, que foram adquiridos numa compra de quase 60 milhões de unidades.
As doses disponíveis nos postos de saúde hoje são direcionadas para a cepa da Ômicron XBB.1.5. Elas foram desenvolvidas ainda no final de 2023 e receberam o aval para uso no país no início do ano passado.
A variante, porém, não é a mais recente e a indicada como alvo pelas autoridades sanitárias. A Organização Mundial da Saúde (OMS) recomendou, em abril de 2024, a atualização para a cepa JN.1, que é a mais prevalente no momento. A orientação foi seguida pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) em setembro.
A agência já chegou a autorizar versões atualizadas da vacina para a JN.1, em novembro do ano passado, mas apenas aquelas produzidas pela Pfizer e pela Moderna.
No entanto, o contrato vigente do Ministério da Saúde para aquisição de doses contra a Covid-19, estabelecido após licitação feita também em novembro, é com a Zalika Farmacêutica para recebimento da vacina Covovax, desenvolvida pela Novavax. O imunizante ainda não tem a versão para a JN.1 aprovada no país.
A Zalika submeteu à Anvisa um pedido de aprovação dessa versão no dia 4 de dezembro. Procurada, a agência disse que avaliou a documentação e emitiu uma exigência técnica no dia 12, que foi cumprida no dia 23. Segundo a Anvisa, a análise (da vacina) deve ser finalizada na primeira semana de fevereiro”.
O diretor do Programa Nacional de Imunizações (PNI) do Ministério da Saúde, Eder Gatti, explica que a pasta aguarda a aprovação da versão para a JN.1 da Covovax para que o Brasil comece a receber as doses mais atualizadas:
"Nosso contrato (com a Zalika) tem como cláusula a entrega da última vacina licenciada no país, isso pauta a aquisição. Então o tipo de vacina que a Anvisa autorizar é a que vamos disponibilizar".
A pasta da Saúde poderia ter solicitado à Anvisa um pedido de autorização em caráter excepcional para importar a Covovax atualizada mesmo sem registro, ou feito uma compra excepcional de doses da Moderna ou da Pfizer adaptadas para a JN.1.
Porém, Gatti defende que o momento da pandemia é outro, que não demanda acelerar os passos convencionais da Anvisa ou adquirir doses além das já contratadas.
Ele cita a instrução normativa expedida pela Anvisa em setembro do ano passado que definiu as regras para atualização das vacinas da Covid-19.
Além de indicar a adaptação para a JN.1, o documento estabeleceu que as doses antigas podem ser usadas no país até nove meses após a aprovação do novo imunizante, ou seja, aquelas para a XBB.1.5 ainda podem ser aplicadas.
"O Ministério da Saúde vai seguir a lógica da instrução normativa, não temos necessidade de atropelar a agência regulatória. A mudança da vacina depende de alguns passos, há todo o processo de atualização por parte do laboratório, de regulamentação e de planejamento de estoque, aquisição, distribuição. A normatização da Anvisa é muito adequada, porque além de dar uma diretriz para o país seguir, permite que seja feita uma transição de forma adequada sem causar prejuízos ao PNI", diz o diretor do programa. A boa notícia é que a vacina para a JN.1 ainda deve continuar sendo a versão mais atualizada recomendada pela OMS quando chegar ao país, mesmo quase um ano após a recomendação inicial do órgão. Isso porque, em dezembro, o Grupo Técnico Consultivo da OMS sobre a Composição da Vacina contra a COVID-19 (TAG-CO-VAC) se reuniu novamente e continuou a orientar às fabricantes e às autoridades regulatórias do mundo que a linhagem JN.1 seja o alvo da composição das doses. O vice-presidente da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm), Renato Kfouri, explica que a atualização das doses a nível global é um desafio para a Covid-19 e reforça que, enquanto as novas vacinas não chegam ao Brasil, as antigas ainda oferecem uma proteção indispensável: A atualização das vacinas é um grande desafio mundial. Nós não temos ainda, como temos com a gripe, uma sazonalidade marcada do vírus e uma capacidade de prever a cepa que vai circular daqui a meses a tempo de produzir uma nova vacina. Isso impede que o mundo esteja sempre atualizado com a versão circulante", afirma, e continua: "O ideal é claro termos sempre a versão mais próxima possível da versão do vírus que está circulando. Mas sabemos que a proteção conferida pelas versões anteriores da vacina, como a para a XBB, é boa para formas graves, embora seja menos duradoura. E é cada vez menor para as formas não graves, então vamos perdendo a proteção para a infecção leve, por isso buscamos sempre a versão mais atualizada. Mas temos um grau de proteção que especialmente a população que é muito vulnerável precisa ter, e são doses extremamente seguras que não trazem risco". Doses até 2026 Em relação ao contrato vigente do Ministério com a Zalika, Gatti explica que o contrato atual pode ser executado em até dois anos: — Nós até podemos consumir ele inteiro neste ano, mas a execução do contrato é conforme a demanda para evitarmos o desperdício de vacinas.
Os esforços para evitar o desperdício são importantes já que a cobertura vacinal tem sido bem abaixo do esperado. Menos de 20% dos brasileiros, por exemplo, receberam quatro doses contra a Covid-19, segundo dados da pasta. Uma maior adesão aos imunizantes, porém, seria bem-vinda.
"Se eventualmente tivermos um aumento no consumo das doses, o que vemos com bons olhos, aceleraríamos a execução do contrato vigente com a possibilidade de um novo contrato na sequência para garantir o fornecimento. Isso é plenamente possível, e se acontecer seria bom porque significa que estamos vacinando bem e deixando a população mais protegida", diz o diretor do PNI.
Vacinação entrou na rotina
No ano passado, a vacinação contra a Covid-19 entrou nos calendários de rotina de crianças, idosos e gestantes no Brasil. Com a nova estratégia, o Brasil passou a indicar de forma permanente uma dose para gestantes a cada gravidez e uma dose a cada seis meses para idosos com 60 anos ou mais. Isso independentemente da quantidade de vacinas previamente recebidas pelo indivíduo.
Em relação às crianças entre 6 meses e 5 anos que ainda não receberam a proteção, o esquema primário deve ser feito com duas doses e quatro semanas de intervalo entre elas, no caso da vacina da Moderna. Já para a vacina da Pfizer, o esquema é de três doses, com a segunda aplicada quatro meses depois da primeira, e a terceira oito meses após a segunda. A da Pfizer é a que está disponível hoje no país para a faixa etária.
"Incluir a vacina contra a Covid na rotina é uma das medidas que esperamos que ajude a melhorar a adesão. A Covid é um problema que veio para ficar e exige do Ministério uma política pública permanente. Essa inclusão nos calendários atrela a vacinação a algumas políticas condicionantes, como do Bolsa Família", explica Gatti.
Para os demais grupos chamados de prioritários, que não têm calendários de rotina específicos no PNI, a proteção e seus reforços continuam a ser ofertados no Brasil no esquema de “vacinação especial”.
Os grupos são: imunocomprometidos; pessoas vivendo em instituições de longa permanência; indígenas; ribeirinhos; quilombolas; puérperas; trabalhadores da saúde; pessoas com deficiência permanente; pessoas com comorbidades; pessoas privadas de liberdade; funcionários do sistema de privação de liberdade; adolescentes e jovens cumprindo medidas socioeducativas; e pessoas em situação de rua.
Para os imunocomprometidos, o Ministério da Saúde recomenda uma dose da vacina a cada seis meses, enquanto para os demais o reforço é indicado anualmente.
"A Covid é bem desafiadora porque ainda não tem um componente sazonal muito claro, como o Influenza e o VSR têm, por exemplo. Às vezes comemoramos períodos de baixa incidência e mortalidade e na sequência vemos um aumento. E às vezes esse comportamento é regionalizado, por exemplo, ocorrem altas em um estado enquanto o outro está mais tranquilo. Isso coloca para a gente um cenário em que a proteção da Covid precisa estar sempre contemplada pelo PNI", explica o diretor do PNI.
Por Agência O Globo
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